Entre Gerações: O Distanciamento Afectivo no Contexto Familiar Contemporâneo

Abril 27, 2025
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Gery Kiffen

O contexto contemporâneo é caracterizado por transformações sociais e tecnológicas de grande magnitude, que inevitavelmente se reflectem nas dinâmicas familiares. A aceleração dos ritmos de vida, a omnipresença da tecnologia e a reformulação dos valores tradicionais vieram criar novas formas de relação entre pais e filhos, muitas vezes marcadas pela distância afectiva.

Este fenómeno, que poderemos designar como abismo geracional, representa mais do que uma simples diferença de perspectivas: trata-se de uma ruptura silenciosa que pode comprometer o desenvolvimento emocional das crianças e adolescentes.

O Distanciamento como Fenómeno Relacional

A presença física dos adultos nem sempre se traduz numa verdadeira presença emocional. A ausência de tempo partilhado com qualidade, a comunicação fragmentada e a falta de validação emocional geram, progressivamente, um ambiente familiar no qual a criança pode sentir-se invisível.

Estas experiências de desamparo emocional — mesmo quando não intencionais — contribuem para a construção de padrões de insegurança afectiva, dificuldades de auto-regulação emocional e desafios futuros nas relações interpessoais.

Referenciais Teóricos: Bowlby e Winnicott

O olhar da Psicologia do Desenvolvimento oferece importantes ferramentas de compreensão.
John Bowlby, através da Teoria do Apego, evidencia como a necessidade de segurança afectiva é fundamental para a estruturação do self. A ausência ou a inconsistência desta segurança pode originar padrões de apego inseguros, com repercussões duradouras.

Donald Winnicott, por sua vez, sublinha a importância do que designou como ambiente facilitador — aquele conjunto de condições afectivas estáveis que permitem à criança desenvolver a confiança no outro e em si própria.
Na ausência deste ambiente, o desenvolvimento do self verdadeiro é comprometido, dando lugar a adaptações defensivas.

Neste sentido, o trauma relacional não é entendido como uma experiência única e extrema, mas como a acumulação de experiências de ausência emocional, difíceis de verbalizar, mas profundamente sentidas.

Caminhos de Intervenção: Reconstruir a Presença

A intervenção psicológica nestes contextos deve privilegiar a reconstrução do espaço relacional, promovendo a capacidade de escuta, a validação emocional e a comunicação autêntica no seio familiar.

Modelos como a terapia familiar sistémica propõem abordagens que reconfiguram as relações, promovendo uma nova consciência das necessidades afectivas mútuas.
Simultaneamente, os programas de parentalidade positiva procuram dotar os pais de estratégias que favoreçam vínculos seguros e relações mais empáticas.

O objectivo não é anular as diferenças entre gerações, mas sim criar pontes de significado, onde o respeito pela individualidade de cada membro da família possa coexistir com a construção de pertença e de afecto.

Considerações Finais

Num mundo em constante mutação, a capacidade de preservar e regenerar vínculos afectivos autênticos assume um papel fundamental na promoção do bem-estar psicológico.
Olhar para o distanciamento geracional não como uma inevitabilidade, mas como um desafio relacional, é uma tarefa urgente para profissionais, famílias e instituições.

Fortalecer as bases emocionais das crianças e adolescentes de hoje é investir, de forma consciente, no tecido social de amanhã.

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